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25/08/2022

Guilherme Wisnik, autor de Lançar mundos no mundo: Caetano Veloso e o Brasil, responde a três perguntas sobre o livro

Guilherme Wisnik, autor de Lançar mundos no mundo: Caetano Veloso e o Brasil, responde a três perguntas sobre o livro

O que mudou no Caetano de 2005, quando saiu a primeira edição do livro, para o Caetano de 2022?

De 2005 para cá acabou sendo uma sorte para mim, porque foi um momento de inflexão muito grande mesmo. De 2006 para frente, digamos. É quando Caetano grava o disco Cê, com a banda que ficou conhecida como Banda Cê, uma banda roqueira, de jovens, da cena indie. É um disco muito mais desencanado, digamos assim. Ele vinha até então em um andamento muito grandioso: os arranjos do Jaques Morelenbaum, discos cheios de orquestra, de percussão. De repente, em 2006, com Cê, ele dá uma enxugada e volta para uma espécie de essencialismo que tem a ver com Transa, com Velô. São momentos assim. E aí ele faz três discos com essa banda: Cê, Zii & Zie e Abraçaço. É uma sonoridade que também está no Recanto, disco da Gal Costa em que ele compõe todas as músicas e faz a direção musical. Nesse período ele também passa, mais recentemente, a dar uma guinada política à esquerda, nessa polarização do Brasil mais recente. É até a Paula Lavigne que começa um movimento assim, e o Caetano vai se aproximar do Mídia Ninja, depois do Guilherme Boulos, apoia o Lula. Ele, que tinha sempre uma posição mais liberal, muito crítica à esquerda tradicional, tensionando… Me parece que aquilo era um lugar que ainda cabia em um país social-democrata, de esfera pública de debate. Em um país, em um mundo, de mídias sociais, de haters, de cancelamento, de polarização, ele acabou não tendo mais lugar para aquela sofisticação, digamos assim, e acabou se posicionando mais claramente à esquerda.

Por que precisamos de Caetano Veloso?

É uma boa pergunta. Precisamos muito de Caetano e sempre, porque Caetano é um artista que não se encaixa, que não se conforma. Ele nunca está no lugar onde se espera, sempre dá uma volta e reaparece de uma maneira surpreendente. Tira as coisas do lugar, move. Portanto, ele age com lucidez contra o lugar comum, contra as formas estabilizadas, contra os consensos e os dogmas. É um artista que com 80 anos continua extremamente jovem, isto é, ele tem essa obsessão por estar sempre antenado, sempre contemporâneo, sempre dentro, tensionando o que está sendo feito hoje — o que não é nada comum entre os artistas. O mais comum é a pessoa envelhecer, ficar um pouco presa no passado ou refazendo coisas que já fez antes. Caetano não doura a pílula, como diz numa canção antiga, nunca dourou pílula e está sempre se reinventando.

Uma canção de Caetano para o futuro do Brasil?

Essa é uma obsessão dele. Ele tem muitas canções para o futuro do Brasil. Já falou sobre “o meu projeto Brasil” em algumas canções. Já reclamou muito do Brasil: “será que nunca faremos senão confirmar a incompetência da América Católica”; ou o Brasil como cu do mundo, “a mais triste nação, na época mais podre” (uma canção de 30 anos atrás que hoje é extremamente atual). Em Musa híbrida, ele fala “vamos refazer o mundo”: a ideia de refazer o mundo a partir da singularidade brasileira, que é a hibridização, a mestiçagem etc. Em Enzo Gabriel também é essa a ideia — este nome, Enzo Gabriel, que foi o nome mais dado aos nascidos no Brasil em 2019, 2020: “qual será o seu papel na salvação do mundo?”, como se esse menino brasileiro, que está nascendo neste momento tão terrível do país, fosse estar predestinado a não só construir um novo Brasil, que não é esse em que vivemos hoje, mas a salvar o mundo desde esse lugar messiânico. Mas a canção por excelência para o futuro do Brasil é Um Índio, que voltará “impávido, preservado no futuro”, depois que o seu povo já tiver sido destruído. Ele aparece como revelação, uma revelação messiânica, sebastianista de certa forma, mas o que ele revela quando aparece é o óbvio encoberto, oculto, tudo que já estava lá, sua presença imperceptível. Ele representa justamente esses outros que estão sendo destruídos e subalternizados desde 1500, e essa aparição mirística no futuro é quando tudo se desvela. Esse papel é redentor, mas não é um redentor messiânico que a gente não sabe o que é – é o que já é agora e que ninguém percebe. Esse é o futuro que a canção aponta.

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